quarta-feira, 31 de março de 2010

Porque aproveitar bem o seu dia...



Aí um dia você toma um avião para Paris, a lazer ou a trabalho, em um vôo
da Air France, em que a comida e a bebida têm a obrigação de oferecer a
melhor experiência gastronômica de bordo do mundo, e o avião mergulha para
a morte no meio do Oceano Atlântico. Sem que você perceba, ou possa fazer
qualquer coisa a respeito, sua vida acabou. Numa bola de fogo ou nos 4 000
metros de água congelante abaixo de você naquele mar sem fim. Você que
tinha acabado de conseguir dormir na poltrona ou de colocar os fones de
ouvido para assistir ao primeiro filme da noite ou de saborear uma segunda
taça de vinho tinto com o cobertorzinho do avião sobre os joelhos. Talvez
você tenha tido tempo de ter a consciência do fim, de que tudo terminava
ali. Talvez você nem tenha tido a chance de se dar conta disso. Fim.

Tudo que ia pela sua cabeça desaparece do mundo sem deixar vestígios. Como
se jamais tivesse existido. Seus planos de trocar de emprego ou de expandir
os negócios. Seu amor imenso pelos filhos e sua tremenda incapacidade de
expressar esse amor. Seu medo da velhice, suas preocupações em relação à
aposentadoria. Sua insegurança em relação ao seu real talento, às chances
de sobrevivência de suas competências nesse mundo que troca de regras a
cada seis meses. Seu receio de que sua mulher, de cuja afeição você depende
mais do que imagina, um dia lhe deixe. Ou pior: que permaneça com você
infeliz, tendo deixado de amá-lo. Seus sonhos de trocar de casa, sua
torcida para que seu time faça uma boa temporada, o tesão que você sente
pela ascensorista com ar triste. Suas noites de insônia, essa sinusite que
você está desenvolvendo, suas saudades do cigarro. Os planos de voltar à
academia, a grande contabilidade (nem sempre com saldo positivo) dos amores
e dos ódios que você angariou e destilou pela vida, as dezenas de pequenos
problemas cotidianos que você tinha anotado na agenda para resolver assim
que tivesse tempo. Bastou um segundo para que tudo isso fosse desligado.
Para que todo esse universo pessoal que tantas vezes lhe pesou toneladas
tenha se apagado. Como uma lâmpada que acaba e não volta a acender mais.
Fim.

Então, aproveite bem o seu dia. Extraia dele todos os bons sentimentos
possíveis. Não deixe nada para depois. Diga o que tem para dizer.
Demonstre. Seja você mesmo. Não guarde lixo dentro de casa. Não cultive
amarguras e sofrimentos. Prefira o sorriso. Dê risada de tudo, de si mesmo.
Não adie alegrias nem contentamentos nem sabores bons. Seja feliz. Hoje.
Amanhã é uma ilusão. Ontem é uma lembrança. No fundo, só existe o hoje.

Artigo da revista Exame de junho de 2009.

Um comentário:

  1. CARPE DIEM é um mote que aprecio muito. Tenho pensado ultimamente como sou feliz. Hoje é feriado, todos em casa estão com saúde e bem-humorados, o dinheiro não está sobrando mas está dando para fazer planos, consertar a casa... Cozinhei uma comida saudável hoje... todos apreciaram. Tão bom comer sem culpa!... Terei tempo hoje para ouvir música, bordar e conversar na sala. É assim que aproveitarei hoje a bênção deste dia. Estou feliz aqui e agora, o que equivale a "sou feliz". A vida escorre docemente na tarde morna, silêncio nas ruas, até os cães ladram menos numa Sexta-feira Santa. Posso dormir se quiser. Posso fazer um bolo se quiser. Posso fazer amor se quiser. Nada me pressiona. Digo a quem fez este dia: Obrigada, obrigada, obrigada. Colho este dia com profunda gratidão!!

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